Tópicos Introdutórios de Mecânica Clássica – Parte 3

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Tópicos Introdutórios de Mecânica Clássica – Parte 1Parte 2, Parte 3.

Comentário Inicial

Esse é nosso ultimo post da seqüência de três posts sobre uma introdução a mecânica clássica para alunos do primeiro ano da graduação de física em engenharia. Nesse texto trataremos de três tópicos principais, primeiramente veremos campos, potencial e energia potencial, depois veremos o potencial de Lennard-Jones que é uma aplicação interessante do que vimos sobre energia potencial e para encerrar falaremos sobre teoremas de conservação do momento linear e angular, mas sem entrar em mérito da mecânica analítica.

O campo, o potencial e a energia potencial

Muito falamos sobre campos, principalmente o gravitacional e o elétrico.

Como sabemos a força elétrica entre duas cargas, q_{1} e q_{2}, é dada por

\vec{F}=Kq_{1}q_{2}\frac{\vec{r}}{r^{3}}

e a força gravitacional entre duas partículas com massas m_{1} e m_{2}, é;

 \vec{F}=-Gm_{1}m_{2}\frac{\vec{r}}{r^{3}}

Como nosso objetivo é compreender o que é o campo, vamos analisar a força nesse conceito. Podemos dizer que a carga q_{1} situada em um ponto  P produz uma “condição” em R de tal forma que quando colocamos a carga  q_{2} em R ela “sente” a força elétrica atuando sobre ela. Nesse caso chamaremos essa “condição” produzida por q_{1} de \vec{E}, assim \vec{F} é a resposta de q_{2} a  \vec{E} e podemos escrever a força como:

\vec{F}=q_{2}\vec{E}

Em que \vec{E} é o vetor campo elétrico que é dado por

\vec{E}=kq_{1}\frac{\vec{r}}{r^{3}}

É importante notar que podemos (e devemos!) ver essa situação sobre dois aspectos, o primeiro é que esse campo em questão é produzido por algo que pode ser uma carga ou uma massa, o segundo é que esse campo atua em algo (carga ou massa). Essa simples analise não deve ser subestimada, uma vez que a realidade pode ser bem complexa.

Para o caso gravitacional podemos fazer exatamente a mesma coisa, tanto que na descrição acima já generalizei tanto para campos criados por cargas quanto por massas. Sendo assim, para a força gravitacional, temos;

\vec{F}=-Gm_{1}m_{2}\frac{\vec{r}}{r^{3}}

então

\vec{F}=m_{2}\vec{C}

Em que \vec{C} é o campo gravitacional produzido por m_{1}, em que \vec{C}= Gm_{1}\frac{\hat{r}}{r^{3}} que, assim como o campo elétrico, possui direção radial. O \vec{C} possui três componentes sendo cada uma delas uma função de \left(x,y,z\right), assim qualquer objeto que crie um campo estará criando um vetor \vec{C}.

A energia potencial é energia propriamente dita e está relacionada a um sistema de interação entre dois ou mais corpos. Podemos defini-la em termos da força gravitacional, uma vez que ela é conservativa:

U=-\int \vec{F} \cdot d\vec{s}=-m_{2}\int \vec{C} \cdot d\vec{s}= \frac{Gm_{1}m_{2}}{r_{1,2}}

Podemos ver que no caso gravitacional temos a energia associada à interação entre as massas por meio do campo gravitacional criado por elas. O mesmo vale para o caso eletrostático, porém o campo é gerado por cargas elétricas.

 Agora vamos nos atentar para uma coisa específica, a integral \int \vec{C} \cdot d\vec{s} é o que chamamos de potencial, e podemos escrevê-lo da seguinte forma:

V=\frac{U}{m_{2}}=\int \vec{C} \cdot d\vec{s}=-G\frac{m_{1}}{r}

Porém a energia e o potencial só podem ser calculados em relação a algum ponto, e obtemos apenas sua variação, mas muitas vezes escolhe convenientemente regiões onde o potencial inicial ou a energia inicial é zero, para desconsiderar constantes aditivas.

É evidente que uma variação na energia potencial é igual a menos o trabalho, como falamos anteriormente, \Delta U=-W, assim o potencial V pode ser escrito como:

 V(r)=-\frac{W}{m_{2}}

Assim o potencial pode ser entendido como o trabalho para deslocar uma massa unitária de um ponto a outro do campo. Considerando que nenhum desses pontos esteja infinito, mas sim em A e B, temos:

V_{A}-V_{B}=\frac{W_{AB}}{m}

Assim vemos que podemos traduzir a definição do potencial citada acima como o potencial sendo o trabalho por unidade de massa, no caso do campo gravitacional. No caso do campo elétrico o potencial é o trabalho por unidade de carga.

Uma outra forma, essa bem simples, de se entender o potencial é pensar que você está segurando uma bola a uma determinada altura do chão, quanto mais alto você levantar a bola em relação ao chão, maior o seu “potencial” de conseguir atingir o chão com uma determinada energia pra uma mesma massa, ou seja, esse potencial independe da massa da bola, já a energia propriamente dita vai depender da massa dessa bola.

A ultima coisa interessante sobre o potencial (para esse texto) é a sua relação direta com o campo. Uma vez que a variação da energia potencial é;

\Delta U=W_{A \rightarrow B}=\int_{a}^{b}\vec{F}\cdot d\vec{s}=m_{2}\int_{a}^{b}\vec{C}\cdot d\vec{s}

Então para o potencial temos:

V_{a}-V{b}=\int_{a}^{b}\vec{C}\cdot d\vec{s}

Assim para temos a seguinte relação entre o campo elétrico e o potencial:

\vec{C}=-\nabla V

Ou seja, o campo é igual ao negativo do gradiente de um potencial escalar. Isso nos mostra que em regiões onde o potencial é constante o campo é nulo.

Aplicação interessante: O Potencial de Lennard-Jones.

Depois de tudo que vimos sobre energia potencial e potencial é hora de falarmos sobre uma aplicação interessante.

Em 1925 o físico J.E Lennard-Jones propõe uma função de energia potencial que inclui tanto forças atrativas quanto repulsivas entre dois átomos de uma molécula diatômica, por exemplo. Isso torna esse potencial particularmente interessante e de simples tratamento, podemos escrevê-lo da seguinte forma:

V_{L.S}(r)=4\epsilon\left[\left(\frac{\sigma}{r}\right)^{12}-\left(\frac{\sigma}{r}\right)^{6}\right]

Onde \epsilon e \sigma são constantes que podem ser ajustadas experimentalmente.  

Comparação do potencial de Lennard-Jones, experimental e teórico.

Comparação do potencial de Lennard-Jones, experimental e teórico.

A nossa primeira curiosidade nesse potencial é conhecer essas forças atrativas e repulsivas entre os dois átomos. Como vimos anteriormente à força se relaciona com o potencial da seguinte forma:

F(r)=-\frac{dV}{dr} que também pode ser escrito em termos do gradiente: F(r)=-\nabla V

Realizando a derivada em r temos então a força:

F(r)= 4\epsilon\left[12\frac{\sigma^{12}}{r^{13}}-6\frac{\sigma^{6}}{r^7}\right]

Agora temos uma curiosidade em particular, suponha que um dos átomos possua massa bem maior que a do outro átomo, e esse primeiro átomo permanece fixo enquanto o de menor massa oscila em torno de um ponto de equilíbrio entre eles, qual é esse ponto de equilíbrio e qual é a freqüência de vibração desse átomo de pequena massa?

Vimos anteriormente que o ponto de equilíbrio é o valor de r em que F=dV/dr=0 e o período de oscilação é dado por:

T=\frac{2\pi}{\omega_{0}}

em que \omega_{0}=\sqrt{\frac{K}{m}}

 Como o ponto de equilíbrio é aquele onde a força F(r) é zero, temos:

F(r)= 4\epsilon\left[12\frac{\sigma^{12}}{r^{13}}-6\frac{\sigma^{6}}{r^7}\right]=0

Agora brincamos um pouco com a álgebra e obtemos:

r= \left(2\right)^{1/6}\sigma

Esse é o nosso ponto de equilíbrio no qual o átomo de menor massa oscila. Como o movimento é uma oscilação podemos encontrar uma constante restauradora K a partir da derivada segunda do potencial:

\frac{d^2V}{dr^2}=4\epsilon\left[156\frac{\sigma^{12}}{r^{14}}-42\frac{\sigma^{6}}{r^8}\right]\equiv K

 Uma vez que oscilação é em torno do ponto de equilíbrio, temos:

\frac{d^{2} V}{dr^{2}}= 4 \epsilon \left[ 156 \frac{ \sigma^{12}}{\left( 2^{1/6}\sigma \right)^{14}} - 42 \frac{\sigma^{6}}{\left( 2^{1/6}\sigma\right)^{8}}\right]\equiv K

 Assim temos;

K=68\frac{\epsilon}{\sqrt[3]{2}\sigma^{2}}

Agora que temos K podemos facilmente encontrar a período:

T=2\pi\sqrt{\frac{m}{K}}

Substituindo o valor de K temos:

T=2^{1/6}\pi\sigma\sqrt{\frac{m}{17\epsilon}}

 Agora que vimos essa interessante aplicação vamos para nosso ultimo tópico.

Teoremas de conservação.

– momento linear

Como vimos na equação (1.8) do primeiro texto, podemos ver que se a força resultante for zero teremos:

\Delta p= 0

Assim:

p_{f}=p_{i}

Fica evidente que o momento linear se conserva caso a resultante das forças externas sobre a partícula seja nula, e esse é nosso enunciado da lei de conservação do momento linear.

Trabalhando vetorialmente é interessante ressaltar que o momento linear pode ser conservado em uma determinada direção e não ser conservado em outra. Ou seja, se em uma determinada direção fixa \vec{s} , tivermos \vec{F} \hat{s}=0, então

\frac{ d\vec{p}}{dt}\hat{s}=0

então

\vec{p} \hat{s}=cte

Podemos enunciar então: a componente do momento linear se conserva na direção fixa em que a componente da força é nula.

– Momento angular

O momento angular de uma partícula de massa m, com velocidade v e localizada instantaneamente na posição \vec{r} medida em relação a uma origem O, é definida por:

\vec{L}=\vec{r}\times\vec{p}

Como você já deve ter notado, o momento angular é um análogo rotacional do momento linear. Derivando o momento angular temos:

\frac{d\vec{L}}{dt}=\frac{d\left(\vec{r}\times\vec{p}\right)}{dt}

\dot{\vec{L}}=\dot{\vec{r}}\times\vec{p}+\vec{r}\times\dot{\vec{p}}

em que \dot{\vec{r}}\times\vec{p}=\vec{v}\times\left(m\vec{v}\right)=0 uma vez que os vetores são paralelos, portanto:

\dot{\vec{L}}=\vec{r}\times\dot{\vec{p}}

Como \dot{\vec{p}}=\vec{F}, então

\dot{\vec{L}}=\vec{r}\times{\vec{F}}=\vec{N}

Em que \vec{N} é o torque em relação a mesma origem do momento angular, assim vemos que a variação temporal do momento angular de uma partícula é igual ao torque externo. Se o torque externo for igual a zero, \vec{N}=0, o momento angular se conserva.

Da mesma forma que o momento linear pode se conservar em uma direção fixa e não em outra, o momento angular também pode se conservar para uma direção fixa \vec{s} na qual \vec{N}\hat{s}=0;

\dot{\vec{L}}\hat{s}=0

\frac{d}{dt}\left(\vec{L}{\hat{s}}\right)=0

\vec{L}{\hat{s}}=cte

Assim a componente do momento angular é conservada na direção em que a componente do torque é nula durante o movimento.

Uma observação importante é que uma partícula pode ter momento angular em relação a uma origem, mesmo quando se translada em movimento retilíneo uniforme.

Partícula se movendo em MRU

Partícula se movendo em MRU

O momento angular em relação à origem é dado por \vec{L}=\vec{r}\times\vec{p} é um vetor em -\hat{k} de magnitude L=mrvsen\theta. Como a força resultante sobre a partícula é nula o torque também é nulo, o que mostra que o vetor momento angular é constante (em módulo e sentido), é fácil notar a constância do sentido, mas o da magnitude nem tanto. Observe que:

L=mrvsen\theta =mvrsen\theta

Em que rsen\theta é a distância de máxima aproximação da partícula á origem, que é representada na figura por a. Como essa distância é constante, o módulo de \vec{L} também é constante, e com isso vemos a relação entre momento linear e angular em um movimento retilíneo,  e com isso vemos a relação entre momento linear e angular em um movimento retilíneo.    

Aqui encerro os tópicos introdutórios sobre mecânica clássica e espero que tenha sido útil para alguém. Qualquer dúvida, pedido, correção, sugestão será muito bem vinda e é só deixar nos comentários. Estou pensando em fazer talvez mais dois capítulos desses tópicos, um sobre forças centrais e outro sobre rotação de corpos rígidos, mas só farei se houver interesse por parte dos leitores. 

[Thiago M. Guimarães]

Referências:

[1] Barcelos Neto. j: Mecânica Newtoniana, Lagrangiana e Hamiltoniana.

[2] Symons K.R: Mechanics vol 1

[3] Kazunori W.: Mecânica Clássica vol 1.

[4] Nussenzveig H.M: Física Básica Vol 1.

[5] Feynman R.P: Lectures on Physics Vol 1.

[6] Notas de Aula do Professor Canesin (UEM)

[7] Griffiths D. J.: Eletrodinâmica Vol.1